sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Crónica das jornadas galego-portuguesas. Pitões das Júnias. 13-14 de maio de 2017


 
Cartaz autoria de Francisco Boluda: Foto Rui Barbosa
  Por Maria Dovigo e José Inácio Regueiro
 Começamos as jornadas com a apresentação a cargo de David Teixeira, vice-presidente da câmara de Montalegre, Lúcia Jorge, presidente da junta de freguesia de Pitões das Júnias, José Barbosa, um dos organizadores das jornadas, e Maria Dovigo, em nome da Academia Galega da Língua Portuguesa. David Teixeira destaca a universalidade do saber rural, Lúcia Jorge a continuidade das jornadas e o José Barbosa agradece a todos, organizadores e participantes, o facto de fazerem possíveis as jornadas.
As palestras começam com a intervenção de Íria-Friné Rivera, historiadora da arte e fotógrafa, atualmente a fazer uma tese sobre a teoria estética de Vicente Risco. A sua apresentação, “Celtismo, o amanhecer da estética moderna galega”, demonstra a centralidade do celtismo na criação duma estética galega, com a figura central de Vicente Risco como teórico e o trabalho de Camilo Díaz Balinho como artífice duma iconografia celta e galega consolidada. Ajuda a percebermos a arte do começo de século de temática céltica, as relações entre os inteletuais da época e a expressão artística, percorrendo trabalhos de Camilo Diaz Balinho, Asorei, Uxio Souto, Urbano Lugris... Com muito atino faz que os nossos olhos percebam os pormenores das obras e o conjunto, já não só da tela ou escultura, mas também da história e as suas ondulações no mar da cultura no tempo anterior à guerra civil espanhola. A apresentação abrange também trabalhos atuais, como o conjunto escultórico criado por Isaac Díaz Pardo no entorno da Torre de Hércules na Crunha ou a media-metragem de animação de Miguelanxo Prado De profundis.
Joám Evans Pim, formado em jornalismo e antropologia, académico da AGLP, com a sua palestra “Ogham: apontamentos sobre uma escrita galega”, convida-nos a questionar o nosso conceito de escrita como transliteração, transcrição fonética da linguagem articulada, e abri-lo a outras escritas não linguísticas, como o Ogham irlandês, as marcas poveiras da costa atlântica, da Póvoa de Varzim e da Guarda, as talas de Rio de Onor e Múrias de Rao. Estes outros tipos de escrita são igualmente registos de informação. Relembra que o conceito convencional de escrita foi criado no contexto do colonialismo e que foi fundamental para consagrar a ideia duma rutura histórica com a emergência da escrita que marcasse uma fronteira definida entre os povos civilizados e os povos primitivos. Desde o início da consagração deste paradigma as descobertas de conjuntos de arte rupestre demonstravam que os povos primitivos tinham consciência histórica. Esta conceitualização não convencional da escrita permite-nos ver, ou ler, o território galego como um território coberto de signos.
Francesco Benozzo, professor na Universidade de Bologna, etnofilólogo, figura destacada do paradigma da continuidade paleolítica, apresentou Speaking australopithecus. A new theory of origins of humam language, livro que escreveu conjuntamente com Marcel Otte. O livro sustenta a tese de que a linguagem humana apareceu com o Australopithecus, há 3 ou 4 milhões de anos, e não com o Homo sapiens, como Chomsky e outros destacados linguistas defendem.
Comemos em convívio, bacalhau, feijoada. Aqui, a Espanha, apenas a cinco quilómetros em linha reta, já fica longe. O “mundo real” é algo que entra pela tevê. Enquanto comemos, a janela aberta ao velho paradigma do país e os seus mitos fundacionais, impacta-nos com imagens continuadas do Papa e Fátima. Mas não sei polo quê, será polo nevoeiro que envolve hoje estas montanhas, que as gentes semelhamos impermeáveis.
Vai um chisco de fresco, a pedra emergida da entranha desenha o horizonte sul em cinzas variadas. A aldeia está recolhida sobre si.
Começa a tarde.
A palestra de Joaquim Pinto, investigador do Centro de estudos de Filosofia da Universidade Católica de Lisboa, “Ética espiritual celta: valores intemporais para tempos atuais”, propõe a reflexão sobre os eixos éticos que sustentam a tradição celta e como eles poderiam contribuir para o destino da humanidade. Joaquim fala-nos da ideia de comunidade definida pela partilha de um sentido comum, dos princípios de Verdade, do Bem e do Belo, entendidos de maneira dinâmica, com necessidade de serem atualizados no mundo da sustância, apontando para o outro mundo, as transcendências da Liberdade, do Amor e da Felicidade. Falou-nos ainda da atualidade em que as tecnologias, especialmente a televisão, acabaram com a tradição comunitária da lareira, provocando a clausura humana e a desterritorialização. Tudo é feito para não precisarmos do outro e para destruir a noção da reciprocidade. O homem teve de ser dividido para se apoderarem dele.
As intervenções acabam com uma mesa debate sobre a atualidade do celtismo em que intervêm os três palestrantes e o P. Fontes. Fala-se do celtismo como espaço de reconstrução das relações internacionais da Galiza, relações seculares e ancestrais interrompidas nos últimos séculos e recuperadas com esforço pelo galeguismo dos anos 20. Fala-se também da noção de herança, da nossa capacidade de darmos outros sentidos à nossa cultura, do problema da desertificação dos nossos territórios, do modelo da civilização rural tradicional frente ao modelo da urbs romana como questão central do celtismo, da continuação da resistência, dos nossos povos como indígenas da Europa, dos baldios, as comunidades de montes, a posse da terra do modelo céltico, do estigma da civilização rural, dos perigos da turistificação e o medo a vermo-nos como algo que pode acabar num museu.
Anoitece. No eiró, a aldeia prepara um lume de cepos velhos que arderão a noite toda dando aconchego e calor às gentes visitantes.
Dentro do local da junta
de freguesia é momento para a música com a voz e as harpas de Francesco Benozzo. Acompanhado da harpa céltica e da harpa bárdica, Francesco oferece-nos canções tradicionais da Bretanha, das Ilhas Britânicas, do norte da Itália e também galegas. Prossegue o convívio, uma churrascada popular, na que também não falta uma cunquinha de caldo quente.
Domingo, céu limpo. Juntamo-nos para irmos conhecer a aldeia abandonada do Juris, castro habitado até bem entrada a Idade Média, e o carvalhal de Porto de Laja, antigo nemetão céltico. Descemos por um caminho calcetado, com augas cantareiras que acompanham a música do cuco, do papa-figos.... Carvalhos, pedra, musgo, gesta florida. Na aldeia, a Lúcia oferece-nos um retrato vívido da cultura comunitária e como a autoridade chegou, mandou e dividiu.

Durante o jantar a conversa animada entre todos, os assíduos das jornadas e os que vêm pela primeira vez. Discute-se sobre a história e as pesquisas de cada um e sobre a vida atual das nossas comunidades. As despedidas prolongam-se no tempo de no espaço para podermos desfrutar até o último minuto o prazer da companhia, dos amigos de outros anos e dos novos amigos que de seguro vamos ver novamente no futuro mas que por enquanto deixamos para baixarmos novamente aos infernos do dia a dia quotidianos, inçado de tópicos, de falsidades, de mentiras que nos fazem consumir como a “realidade”. Longe das montanhas do Gerês está o Portugal de todos os dias e a Espanha que nos mata. Lembramos ao Santo Ero de Armenteira que quando chegou de volta já tinham passado trezentos anos. Será que nos vai acontecer o mesmo ao baixarmos o Monte do Pisco achando à nossa chegada um mundo onde não nos conheçam? Talvez ao abrirmos os olhos nos vejamos rodeados de quem nos quer trazer ao “mundo real”? Vamos ver…. Porque depois deste sonho, tão real vamos ter vontade de ficarmos no paraíso. Os adeuses não são adeuses, são um “até para o ano e daqui a lá, muitas vezes”.
Abu Gaels!!
Que assim seja.










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