domingo, 26 de julho de 2015

A Des-Grécia


Por Artur Alonso Novelhe
Vivemos num mundo interdependente. As velhas noções de territorialidade, independência nacional e domínio particular do Estado Naçao, foram, aos poucos, chumbadas. A soberania regional substitui à velha soberania.
Dentro do Império Ocidental e no atual marco de guerra encoberta pela hegemonia global (entre este império e nomeadamente a China) qualquer dissidência deve ser castigada. Eis um apontamento sobre o que está realmente acontecendo em Grécia.
O construtor do Império Ocidental e governador real, por trás da falácia da "governabilidade política", é a Elite Financeira. Esta elite tem criado o seu corpo atual através da metamorfose da velha Elite Mercantil, própria do anterior período mercantilista (superador do Sistema Feudal e das Monarquias Absolutas), ate a nova Elite das Finanças, própria dum período de mudança desde O Capitalismo Financeiro ate o Novo Capitalismo das Rendas (Sistema que como bem definiu Michael Hudson é sem dúvida de caráter, paradoxalmente, Neo-Feudal).
Temos de reconhecer a este poder uma capacidade muito grande de adaptação as continuas mudanças intrínsecas à história e fazem parte das leis naturais de Impermanência e Desenvolvimento continuo o que provoca renovação constante.
A União Europeia já levou à frente o trabalho para o qual fora programada por estas mesmas elites, a pesar da resistência inicial de líderes como Degaulle. O velho sistema de Estado Providência ou Estado do Bem-Estar ficou sem sentido uma vez obtida a vitoria sobre a União Soviética no período chamado de “Guerra Fria”.
Em este momento e uma vez assinado o Tratado de Livre Comércio com os EUA, o velho Continente faz-se sem hesitação, uma parte integrante do Império Ocidental, agora em processo de construção. As Elites Centro Europeias, que detêm o poder baseado na vassalagem das Elites do Sul da Europa, estabelecendo relações de vassalagem e submissão à sua vez a respeito das Elites Anglo-Saxónicas. Mas esta rede de poder e seu labiríntico e eficaz organograma deve ser, entendo de maneira alegórica, circular e transversal e não linear ou piramida.

Esta rede de poder tem sua base em um núcleo principal: famílias de origem germânica e protestante, judeu-germânicas e irlandesas católicas que dominam o anel de poder das finanças globais cujo centro principal está nos EUA, Europa central germânica, Escandinavia e Inglaterra. Estas tecem redes de vassalagem entre si e com outros poderes regionais por meio das finanças, onde os Estados, bancos, e outras entidades ficam amarrados a elas, através das dívidas e empréstimos.

Este holograma de relacionamento ao ser tridimensional exprime melhor o poliédrico que o poder anglo-saxônico é, onde as diversas sensibilidades e mesmo interesses contraditórios agem num mesmo nível, tecendo com autonomia redes diversas, que finalmente, confluem em um mesmo sistema, governado pelo capital financeiro internacional.
O anel de poder energético que permite o controlo e coexão de todo o sistema é o da Dívida Permanente. Assim é como se efetuam realmente as relações de domínio e dominação. Dominador possuidor dos títulos de dívida, dominado, pagador eterno. A capacidade de respirar depende da abertura ou fechadura do anel mencionado. Uma vez entregado o Banco Central dum país ou região às mãos dos senhores das finanças – já toda a população dessa região fica refém da política a ditar pelos novos donos: os supostos representantes legais dos cidadãos (ainda eleitos por sufrágio universal) só podem gerir a aplicação dos ditados económicos, transmitidos por quem realmente possui o controlo da moeda. Grécia ao eleger Tsipras, dalgum modo, virou esta lógica.
Enquanto mais avançar pela supressão da moeda em papel e deixar mais quota de mercado para moeda virtual e o cartão eletrónico, menos possibilidade terá a cidadania de revoltar-se (pois com um simples apagado bancário uma pessoa fica núa).
Pôr em dúvida este esquema, que na realidade envolve a entrega de todo o património público ou coletivo ao senhores do anel – devagarinho, segundo as necessidades dadas, no tempo preciso – é pôr em risco todo o tecido sistémico. Isso mesmo foi, em alguma medida, que tentou fazer a Grécia: dentro do sistema, modificar o sistema (democratizar algo o sistema, repartir melhor o peso do sistema, dado o inferior da pirâmide já não aguentar seu peso).
Esta ousadia é tomada imediatamente como um ação de guerra. Resposta militar. Não devemos esquecer que o anel energético de poder tem a capacidade de derrubar, mediante a asfixia financeira qualquer território desobediente, com os mesmos efeitos nocivos que um exército invasor. Eis as primeiras manobras da armada financeira contra a Grécia:
Agências de Qualificação (braços ativos do poder financeiro global) Fitch e SP cortaram ratings dos principais bancos gregos. As Agências Moody´s e DBRS reduziram a classificação soberana da dívida grega. Banco Central Europeu cortou o crédito a Grécia, obrigando ao governo na pratica a realizar um “corralito” bancário. Meter medo foi a forma de alocução dos representantes da Europa, nas suas referencias a crise grega. Os meios de comunicação as ordens do grande capital financeiro debruçaram sobre o medo, a sua única esperança de reverter o “Nao” no passado referendo.
Em esta situação é pois de admirar a dignidade e valentia do executivo de Alexis Tsipras. Mas a batalha era muito complexa e Grécia sabia também ter suas cartas marcadas: sair do euro ia trazer muita inquietação, algo que não gostava sobre tudo a Washington. Quando a Europa insistia em apertar a gorja, a Tsipras só lhe restaria jogar a carta Russa. No nível geo-estratégico uma bomba: Putin poderia vingar-se do golpe realizado pelo Império Ocidental na Ucrânia. Mas não deixava de ser uma carta de muito risco, tendo em conta a posição privilegiada da Grécia no Mediterrâneo. China ofereceu a ajuda do BRICS ao país mas dias depois o próprio governo chinês teve de tomar medidas para modificar a queda brutal da bolsa Xangai por causa da bolha de activos que inchou o país. Brasil reiterou estar em favor da solução negociada dentro da União Europeia e a Índia nem se pronunciou...
Portanto, nesta conjuntura, Obama poderia pressionar para tirar no futuro parte da dívida à Grécia: algo simbólico. Nada que possa pôr em causa todo o edifício da austeridade que as próprias elites anglo-saxônicas impulsaram para evitar uma concorrência Euro–Dólar, como moedas de reserva internacional, em tempos de forte contração e surgimento de rivais monetários à nivel global como o Renminbi chinês.
O mais fatível seria negociar a queda de Tsipras mas por enquanto ele se mantém ao frente apesar do abandono do sector mais beligerante do seu partido. No entanto que ninguém tenha esperanças, mesmo se outros partidos da esquerda ganharem no sul da Europa. A situação dentro do Império Ocidental vai ser cada vez menos compatível com a democracia. Reformar a estrutura de poder ocidental, dentro ou fora do sistema, só parece possível com uma queda do plano global delineado pelo poder europeu.
A dia de hoje derrubar o poder das finanças na Europa significaria demolir o edifício europeu, algo só possível com a licença ou abandono da aliança com os EUA. Não parece viável. No entanto se é que der o caso, antes de construir um novo modelo, a Europa ficaria na ruína com a demolição do sistema bancário europeu que atingiria a todo o orbe.
E isso também comportaria a emanação dum poder alternativo chinês no nível Mundial e Russo, a nível Continental, de marcado controlo estatal sobre o cidadão que nada tem a ver com democracia. Em esse cenário a Europa seria um paria global que desenvolveria um papel similar ao que hoje ocupa a África mais pobre. Quer dizer, um período muito prolongado de queda sistémica, de transformação das antigas estruturas e relações de poder, de construção de novas alianças, incerteza e grandes dificuldades para além de trazer um imenso sofrimento às populações da Europa e passando-se da dependência dos EUA a outra.
Como bem sabemos ninguém quer esse cenário pelo que os devaneios de Tsipras com Putin não são mais que movimentos acertados para criar pressão na contra.
O caminho do meio terá de ser por força o guião deste novo filme, no que aparentemente Tsipras ceda em todo, para consumo da Alemanha, Espanha, Itália e Portugal, e Europa, no fundo permita uma reestruturação mais coerente da dívida grega com um inevitável perdão, total ou parcial, da dívida grega incluída. Com isto, Tsipras poderá ter mais margem de manobra para tentar elaborar um política que alivie na medida do possível, a entrega de todo o património do país aos banqueiros do Norte. Acordo único possível sem lume de arder, por enquanto.
Enquanto a ilusão de realizar desde Ocidente um revolução que ajude a evolução para um novo ser humano mais consciente, ecológico e justo, esqueçam amigos. Isso não poderá ser feito nem desde aqui nem desde Rússia ou China. Teremos que aguardar pacientes, no melhor dos casos, a que estes extremos cedam por desgaste mútuo, e aturarmos o seu cetro planetário.
Será pois o Hemisfério Sul, que hoje tanto desprezamos desde o Norte, aquele que possa realmente abrolhar uma nova Era para humanidade. E dentro deste hemisfério o continente mais preparado é, sem dúvida, a América do Sul cujo foco central é o Brasil, país irmão de língua, da língua mais falada em este hemisfério. Mas para isso paciência, muito terá ainda que mudar o mundo, muito terá ainda que mudar o Brasil e toda a América do Sul. Enquanto estes países mantenham seus bancos centrais, e seu poder energético em suas mãos estatais, todo será possível se continuam a realizar políticas de maior justiça social, modelos económicos que possam iniciar uma viragem real, no continente mais desigual do mundo.
Desde a Galiza, se formos mais estratégicos do que estamos sendo, gastaríamos menos recursos em alianças na Europa e faríamos melhor trabalho em alianças lusófonas e americanas para facilitarmos o desloque paulatino e pacífico desde o Atlântico Norte ao Atlântico Sul. Assim é que evitaríamos a verdadeira desgraça.
Não devemos esquecer que no trânsito de modelo político–económico, e de desloque hegemónico do Atlântico Norte ao Sul o tempo há de lhe dar à CPLP, muito protagonismo e terá muito a dizer e fazer. Os tempo são chegados, devagar. Desta vez aguardemos galegos e galegas saber criar os relacionamentos certos que devem sempre começar pela aliança cultural.


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