quarta-feira, 14 de maio de 2014

RELAÇÃO DE MOTIVOS QUE AMPARAM O USO LEGAL E CORRENTE DE DIVERSAS NORMAS ORTOGRÁFICAS PARA A LÍNGUA PRÓPRIA DA GALIZA




Associação Cultural Pró-Academia Galega da Língua Portuguesa (Pro-AGLP)

Abril 2014

No Estado espanhol as normas ortográficas de qualquer das línguas oficiais do estado não são objeto jurídico. Por isso não existem normas ortográficas "oficiais" e não vigora disposição jurídica alguma que obrigue os administrados à utilização duma norma ortográfica concreta.
 As normas de escrita das línguas são só princípios orientadores, que as pessoas aplicam com maior ou menor grau de conhecimento. De maneira estrita, se as normas ortográficas fossem "oficiais", qualquer escrito que contivesse o que se entende por "erros" (acentuação, irregularidades ortográficas, etc.) seria juridicamente inválido. Mas isto não acontece. Juridicamente não cabe o estabelecimento de fronteiras entre o que se entende como um escrito "correto" ou "incorreto". Na expressão escrita de qualquer língua cabe um amplíssimo leque de variabilidade e criatividade - incluindo quaisquer formas mistas de expressão que combinem princípios normativos - variabilidade que, desde que a compreensão básica do texto não se veja afetada, fica fora de qualquer regulação e sanção jurídica

Velho e certeiro desenho de Xaquin Marin.
como exceção parcial, o Decreto 173/1982, do 17 de novembro, de normativización da lingua galega, estabelecia a obrigatoriedade de ensinar nos centros escolares sob competência autonómica a norma da Real Academia Galega, mas sem afetar outros âmbitos administrativos nem impedir que também puderam ser ensinadas nos centros escolares outras normas distintas da citada. O antedito decreto fixava três normas de correção idiomática para serem ensinadas nos estabelecimentos educacionais:
1.- A norma NOMIGa ILG-RAG, só para a formulação de 1982-1983, dado que as posteriores, dos anos 1995 e 2003, não foram acompanhadas do correspondente decreto.
2.- O vocabulario ILGa, que decaiu por não cumprir o prazo.
3.- A norma mista ILGa-RAGa, resultado das duas anteriores, aliás, decaídas.

No caso da Galiza, a Disposição adicional da Lei 3/1983, de 15 de junho, de normalización lingüística, refere-se à correção idiomática para estimar "como criterio de autoridade o estabelecido pola Real Academia Galega" indicando claramente que a opinião desse organismo é apenas um critério de autoridade que não se define como único ou exclusivo, nem como obrigatório para os administrados e muito menos como oficial.

A Sentença 1992/1993, de 4 de maio, do TSJG, confirmada pela sentença do Tribunal Supremo de 2 de outubro de 2000, defende a legitimidade do uso de "outras regras ortográficas do idioma galego assumidas e praticadas em eidos intelectuais e por capas sociais que atopam o seu fundamento e legitimidade em razões históricas, consuetudinárias, geográficas e de polimorfismo próprio das falas", acrescentando que "Consequentemente, constituirá um atentado ao direito à liberdade ideológica, científica, de expressão e de livre circulação das ideias, todo intento por parte dos poderes públicos de seiturar, com o galho da defesa a ultrança duma normativização oficial, posturas linguísticas que, não apartando-se do seio comum de origem e convivência idiomáticas, se amossem como discrepantes".

Ampliando o Artigo 5.4. do Estatuto de Autonomia da Galiza, a Lei 3/1983, de 15 de junho, de Normalização Linguística, indica em seu Artigo 3º que "Os poderes públicos da Galiza adoptarão as medidas oportunas para que ninguém seja discriminado por razão de língua", não devendo excluir-se as escolhas ortográficas individuais desta garantia. Deve ressaltar-se que o próprio Tribunal Superior de Justiça da Galiza tem utilizado normas ortográficas distintas das da Real Academia Galega na hora de emitir sentenças, como são a 177/1986 ou a 378/1989.

Desenho de Xaquin Marin
Por isto, a Administração, conforme à lei, deve admitir qualquer texto duma língua oficial redigido em qualquer norma ortográfica baseando-se no critério de inteligibilidade. Se um texto é inteligível, se pode entender-se, deve ser admitido a trâmite. Qualquer rechaço dum texto por razão de norma ortográfica é discriminatório.

Como reconhece a Sentença 1992/1993 do TSJG, de 4 de maio, existem outros critérios ortográficos para a escrita da língua galega distintos e concorrentes com o da Real Academia Galega. Estes critérios de autoridade são estabelecidos igualmente por entidades em cujos estatutos, legalmente reconhecidos, consta o fim ou objetivo de estabelecer critérios de correção idiomática para a língua própria da Galiza, como é o da Academia Galega da Língua Portuguesa, conforme a Orden CUL/1075/2011, de 1 de marzo, por la que se inscribe en el Registro de Fundaciones la Fundación Academia Galega da Língua Portuguesa (BOE, 29 de abril de 2011). A AGLP propõe, como continuadora da Comissão Galega do Acordo Ortográfico, a adoção do Acordo Ortográfico de 1990 como norma para a escrita do galego. A citada Comissão Galega foi responsável pela delegação de observadores da Galiza que tomou parte nas reuniões do Acordo Ortográfico de 1990, tratado internacional que inclui a Galiza no seu primeiro parágrafo e que foi ratificado por sete Estados signatários.

Desenho de Xaquin Marin.
A Lei 1/2014, de 24 de março, para o aproveitamento da língua portuguesa e vínculos com a lusofonia, a "Lei Paz-Andrade", reconhece a importância dessa Comissão - cujo vice-presidente dá nome à lei -, citando-a na sua exposição de motivos, e estabelecendo ainda em seu Artigo 1.º a responsabilidade dos poderes públicos em promover o conhecimento da língua portuguesa como fundamento da potencialidade e utilidade da língua própria da Galiza, e o fomento do conhecimento de português por parte dos empregados públicos.

Um crescente número de galegas e galegos, tanto pessoas como entidades judíricas cívicas e de investigação, em consonância com o espírito da Lei Paz-Andrade, utilizam diariamente uma escolha ortográfica distintada proposta pela Real Academia Galega para a representação escrita das falas galegas conforme a uma visão extensa e útil da língua própria da Galiza, escolha que também está amparada pelos Artigos 3º, 5º e 9º da Declaração Universal de Direitos Linguísticos, aprovada em Barcelona em junho de 1996.

Esta escolha individual pode ser aplicada pelo usuário da língua em todos os âmbitos de uso: no privado e no público, no familiar e no laboral, exercendo o direito vigorante na Espanha a expressar-se por escrito como melhor entender e/ou souber, sem obrigação de seguir uma norma ortográfica concreta, e com a possibilidade de seguir qualquer das normas possíveis. Portanto todas as normas estabelecidas por organismos competentes em língua podem ser usadas de maneira corrente tanto em textos administrativos quanto em textos laborais, escolares e pessoais, por esse uso estar dentro do quadro legal explicado.


domingo, 11 de maio de 2014

Manuel Garcia (do M.E.L).: «Eu falei galego no Parlamento Europeu em 1994»




Por José Manuel Barbosa (23/11/2005)

 
Nestes últimos dias do mês de Novembro de 2005 tem sido actualidade o facto de se noticiar que o Presidente Touriño era o primeiro em ter falado em galego no Parlamento Europeu. Do nosso ponto de vista isto pode ser errado, pois houve antes várias pessoas que falaram em galego nesse Parlamento. Nós entrevistamos uma dessas pessoas. Ele é Manuel Garcia, representante do Movimento Ecologista da Límia (M.E.L.) e gerente da empresa de alimentos naturais e ecológicos Daiqui.
Manuel Garcia, graças à sua iniciativa com o apoio de José Posada a concentração parcelar na Límia e o consequente desastre ecológico foram abortados. A dia de hoje só o Concelho de Rairiz de Veiga pode apresentar um aspecto saudável em contraste com outros concelhos limiãos que sofreram o vandalismo da insensível administração com o sector primário da economia galega.
Manuel, quando te inteiraste dessa notícia, de que o Touriño dizia que fora o primeiro em falar em galego no Parlamento Europeu, tu o que pensaste?

Bom, pensei... propaganda!! Eu sabia de certo que antes o Sr. Posada já tinha falado galego e que Camilo Nogueira -nunca o escutei- suponho que também utilizaria a sua língua. O certo é que eu estou muito seguro de que estive ali a falar em galego e que fui traduzido para os nove idiomas oficiais, naquela altura, da Comunidade Europeia. 
  
Perez Touriño, ex-presidente da "Xunta de Galicia"




Conta-nos, quando é que foste ali ao Parlamento Europeu e para o que é que foste?

Foi no ano 1994 e eu fui ali promover uma denúncia que fizemos na contra do Governo Fraga por mor de umas concentrações parcelares selvagens que estavam a destruir todo o ecossistema agrário e natural da comarca da Límia. Estas concentrações estavam a se fazer com fundos comunitários sem se respeitarem as cláusulas nas quais se diz que nunca o dinheiro comunitário deverá ser utilizado para destruir o património cultural e natural de qualquer uma das nações europeias.
Exemplo de concentração parcelar selvagem.
Pelas tuas palavras podemos deduzir que tens um sentir galeguista, e claro, que sentes a natureza como parte essencial da Galiza...

Eu penso que é um sentimento de pertença a um lugar, a uma cultura, a uma língua, a um espaço geográfico, a uma natureza, a uma flora, e quem suprimir alguns destes aspectos vê a realidade de um jeito muito parcial.

Dizias-nos que anteriormente ao Touriño falou o José Posada, mas dizia o Presidente Touriño que os anteriores que estiveram no Parlamento Europeu não falavam galego mas falavam português. Ora, tu falaste na variante portuguesa?
 

Pois, eu acho que não. Gostaria de saber falar à portuguesa mas eu falei o meu galego paterno e materno. Simplesmente isso, não utilizei mais do que o galego de «andar por casa».
José Posada, Eurodeputado galego da Coligação Galega nos anos 90. Graças a ele o galego como variante do conhecido oficialmente com o nome de português faz com que a possibilidade de falar na nossa língua no Parlamento Europeu seja uma realidade não aproveitada por todos os deputados da Galiza. Essa vantagem não está da mão de outras nações sem Estado.
Encontraste muita dificuldade em ser compreendido e em ser traduzido pela gente que ali estava ou pelos funcionários que ali trabalhavam?

Pois, acho que não tiveram muito problema. Havia um tradutor português que é o que levava todo o peso da tradução. Todos sabemos que galego e português som uma mesma língua queira ou não muita gente..
O Deputado Camilo Nogueira também defendeu a unidade linguística galego-portuguesa no parlamento europeu usando o seu galego natural com sotaque da Costa da Morte.
É mais, posso contar um detalhe. No último dia em que eu estava no Parlamento tratando de fazer as últimas gestões, pela uma da tarde partia o avião de volta e eu estava sem encontrar a saída do Parlamento e com muita pressa. Então, peguei numa pessoa, embora eu pensava que não me poderia ajudar pois seria inglesa, belga ou francesa, mas aconteceu que era portuguesa, entendeu-me perfeitamente e pôde pegar no táxi, sair dali e ir na procura do avião.
Logo da Comunidade de Países de Língua Portuguesa usado em várias cimeiras internacionais dos países envolvidos com a bandeira da Galiza no centro como reconhecimento por parte dos países lusófonos da matricialidade galega da língua comum.
Então, que achas a respeito do que se está a noticiar de que o Touriño foi o primeiro em falar galego no Parlamento Europeu?

A mim dói-me muito que se esteja a fazer propaganda a uma pessoa que, com segurança, fala habitualmente castelhano na sua casa e com as suas amizades. Acho-o um acto de hipocrisia máxima e é triste que a língua e a nossa cultura fique só para actos protocolares, políticos e de grande aparato. É isso o que mais me dói de tudo isto.

Onde é que falaste exactamente tu no Parlamento Europeu?

Eu falei exactamente numa reunião preparatória do Grupo Arco-Íris onde estavam deputados independentes e da esquerda europeia. Tentei pô-los ao dia da denúncia que a seguir ia ser tratada em Comissão.

Além disso visitei um por um muitos deputados explicando-lhes a nossa denúncia pormenorizadamente para ela não passar desapercebida quando chegasse ao pleno. Fui fazer certa pressão e dar a conhecer que a nossa denúncia existia e estava ali
Parlamento Europeu
Nesse grupo havia parlamentares de muitos países. A todos é que falavas galego?

Pois claro, embora também tenha utilizado o espanhol e mais o inglês. O Sr. Posada também ajudou muito, pois ele é um homem que domina muitas línguas. Também entregava documentação gráfica que complementava a explicação.

Touriño falava o outro dia que os galegos que estiveram no Parlamento Europeu falaram em português em detrimento do espanhol. Tu pensas que se pode falar uma única língua no Parlamento Europeu?

Pois eu penso que não. O bonito é a diversidade. De todos os jeitos em detrimento do espanhol em absoluto, deveríamos ver isso mesmo com alegria pois acho que o português tem a ver mais com a nossa cultura.
Conta-nos um pouco como foi a origem da tua ida a Bruxelas?

Bom, nós apresentamos a nossa denúncia na Direção Geral 11, que é a que leva os temas relacionados com o meio ambiente, e certamente sabíamos que todas as denúncias que lá chegam acabam no caixote do lixo se não há ninguém a puxar por elas. Então, nós começamos a contactar e chegamos junto o Sr. Posada, na altura deputado em Bruxelas. Ele não só se ofereceu a ajudar-nos nos trâmites, mesmo nos convidou a ir ao Parlamento para eu ter oportunidade de falar com os deputados e todos os membros da Comissão que iam estudar a denúncia.

Na verdade, foi algo incrível, não habitual no resto dos políticos. O Sr. Posada convidou uma série de pessoas, não só a mim, a irmos ali e conhecermos aquela instituição e nisso investiu o seu orçamento de eurodeputado.

Lá em Bruxelas estivestes hospedados num hotel onde também falavam galego, não é?

Pois é, não só falamos galego entre os membros da expedição. Na recepção em Bruxelas havia uma pessoa que sendo belga falava português...

Eu acho que temos de ir com a identidade por diante, sem vergonha. Talvez assim começarmos a ser um povo. Eu mesmo fui a Madrid há pouco e falei lá em galego e mesmo os madrilenos o agradeciam.

Mas isto não é algo novo, eu posso contar que estive um mês no Japão aprendendo agricultura ecológica. Percorri o Japão de Norte a Sul, e numa das zonas tive de intérprete uma japonesa que me traduzia directamente do japonês para o galego. Lembro bem, ela chamava-se Yoko, era casada com um galego no Brasil, jornalista e escritor, e ela dominava perfeitamente o português. Estive durante uma semana tendo como tradutora esta pessoa.

Essa vantagem não a têm bascos nem catalães, não é?

Pois. Suponho que eles terão mais difícil encontrar no Japão alguém que fale euscara, ou catalão, mas em qualquer parte do mundo nós podemos encontrar alguém a falar e entender o português.

Manuel, tu entendes o senso da língua como um eco-linguismo, não é?

Com efeito. Bom, a ecologia estuda-o tudo, a relação do homem com o seu entorno, e daí nasce a cultura. Então, os povos que não respeitam o seu entorno natural, a sua cultura, acho que perdem a sua identidade. É por isso que eu vivo no povo, falo galego, amo a paisagem galega, amo a alimentação e os produtos galegos. Eu entendo como um tudo o que é a cultura e a identidade de um povo.

Por isso, acho triste quando vêm com grandes obras públicas sem se respeitar o que é a paisagem, o património cultural, o que é o grande património agrário que temos e que se está a perder sem que ninguém repare nele, nem se faça um mínimo estudo para dizer o que é importante preservar

.

Enfim, eu vejo o futuro da identidade deste povo com bastantes reservas...

Dia 25 de Novembro de 2005 em Paris vai-se sentenciar se o Património Imaterial Galego-Português é Património da Humanidade. Como é que valorizas isso?

Bom, isso é uma cousa lógica de uns povos que querem manter o seu orgulho e a sua cultura. Acho bom tudo o que seja potenciar a diversidade, afirmando-se nela própria, isso é positivo. Estamos fartos da «coca-colonização», venha donde vier, dos EUA, da Alemanha ou de Madrid.

Tu és da Límia, e lá existe um relacionamento muito especial com Portugal. Desde há séculos o Norte de Portugal e a Galiza limiã têm um contacto humano muito especial. Como é que influiu o seres tu da Límia em todo o sentimento de irmandade com Portugal?

Talvez seja o tratamento com os irmãos portugueses, pois vês que é a mesma cultura, têm a mesma forma de trabalhar a terra, as mesmas formas de fazer as cousas. Entras em Portugal e vês que os nomes dos povos, dos lugares, das cousas são iguais do que na Galiza. Mas claro, Portugal foi uma nação independente que pôde cultivar-se e a Galiza ficou um algo prisioneira de Castela, isso impediu fazermos parte de uma mesma unidade que seríamos agora. 

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...