domingo, 15 de abril de 2012

Qual o limite?


Por Carolina Hortsmann

'Grandes mudanças, precisam grandes sacrifícios' costumamos ouvir como um mantram que a nova sociedade achega aos confundidos, aos adormecidos, àqueles que não acabam de acordar ou de se conformarem com as aparentes “oportunidades” que nos dá a vida na atualidade. Simplesmente, “nunca temos vivido melhor do que agora” e desfrutamos do fruto do trabalho duro dos nossos ancestros, continuamos esforçando-nos por ganhar dinheiro e obtermos as últimas novidades tecnológicas, essas que nos fazem sentir tão felizes, tão cómodos e tanto na moda.

Poderíamos aqui nomear um número alargado de lugares no mundo que pagam (de todos os pontos de vista possíveis) o preço pela tecnologia e os avanços, mas só faz falta um par de exemplos para abrirmos os olhos e começarmos a ver as consequências no teu próprio local.

O Congo e a tecnologia.

A República do Congo, por vezes chamado Congo-Brazzaville, é um dos países com maior índice de Coltan no mundo1. Matéria prima essencial para o abastecimento da tecnologia de última geração. Computadores portáteis (Laptops), telemóveis, câmeras digitais, consolas de videojogos, etc...são as beneficiárias deste espantoso mineral que provoca ano após ano milhares de vítimas no país congolês e alimenta por sua vez o 80% do mercado com o seu mineral.

A gente trabalha quer por obriga dos milicianos, quer por própria iniciativa na extração, já que rende muito mais do que o trabalho na terra e conseguindo sucosas pagas em só poucos dias. Mão de obra barata, milhares de escavadores dispostos para arriscar a vida nas mãos dos milicianos e o abandono total das suas terras de cultivo são o resultado. Montes protegidos furados para conseguirem o cobiçado mineral, milhares de animais autótones e em perigo de extinção levados ao extremo.
Atualmente, o consumo mundial de coltan baixou e novos minerais são precisados enquanto grande parte da mão de obra barata é obrigada a deixar de escavar, para ser forçados a voltar aos seus fogares abandonados com as suas terras secas e sem lavrar. Esta gente recebeu o fruto de anos empregados na geração do dinheiro fácil a custa dos recursos nacionais, “para bem” dos avanços da humanidade.

Chile, paraíso mineiro 'legal'.
A minaria, principal atividad económica do norte do país, ocupa basicamente as três primeiras regiões. Infelizmente, a falta de fiscalização e o tráfico de influências no mais alto nível, convertem as grandes transnacionais em poderosas entidades com voz e com voto por acima da população entre a que se assentam. Convertem os rios e os lagos nos pontos centrais da extração dos minerais, deixando a população com o abastecimento de água limitado e uma grande contaminação.

Múltiplos projetos levados a cabo no país com dinheiros estrangeiros mostram a grande influência nas cúpulas políticas que estes grandes monopólios têm, especialmente sobre os governos. Atualmente está em discussão a implemantação do mega-projeto HidroAysen (com financiamento direto de Endesa e Culbun) que visa construir cinco centrais hidroelétricas no Sul do Chile, submergindo mais de 5.900 hectares.
Apesar do movimento social gerado internamente contrário a este projeto e os governos (quer de esquerdas, quer de direitas) terem agido com políticas de proteção em favor destas transnacionais, vemos com espanto que há só uns dias foram recusados sete pedidos de proteção perante a Corte Suprema de Justiça trazidos por organizações ambientalistas, sendo um dos juízes o Sr. Pedro Pierry, importante acionista de Endesa. Estas ações foram adquiridas com o seu fundo de despejo como funcionário público em 1988 atualmente equivalentes a cerca de 97 milhões de pesos chilenos (cerca de 130 mil euros). E ainda pode haver mais funcionários do Estado implicados no assunto com decissão direta sobre o tema.

Se o panorama judiciário continua assim, só fica aguardarmos o lançamento deste mega-projeto e a perda de terras agrícolas, florestas e bens perdidos, expropriações ... fome para o povo e riqueza para os dirigentes de colarinho branco e gravata desta monstruosa transnacional

Fragas do Eume: o que pode chegar a ser.

Quando pensavas que tudo estava crescendo e as cousas poderiam melhorar (porque sempre tudo o mau parece que acontece fora das tuas fronteiras) é quando percebes, abres os olhos e podes ver como as cousas realmente estão a se mexer. Infelizmente acordas quando o horror bate na tua porta.

Precisamos da queima de milhares de hectares para nos levantarmos das nossas cadeiras e decidirmos devolver um grito afogado: "nunca mais!”. Precisamos da perda de milhares de hectares para descobrirmos a bela terra que abriga as Fragas, para entendermos como é que cobiçam as suas entranhas, os seus minerais.

As chamas devoraram rapidamente as hectares, enquanto os gestores políticos, os responsáveis florestais e outros, organizavam os seus horários, as suas agendas para começarem o seu dia laboral como qualquer outro. A negligência e a falta de medidas preventivas para a nossa floresta natural passaram-nos a conta fazendo arder os eucaliptos plantados por mentes ineptas entre a mata nativa da Fraga e a rica variedade autótone de vida selvagem para facilmente passar aos velhos carvalhos, alguns talvez milenários.

O perigo real agora é o que está por trás das chamas, por causa da intenção de abrir uma mina de superfície, promovida pela Picobello Andaluzita SL (com capitais Sul-Africanos e britânicos). A implementação desta mina nas Fragas Eume vai significar uma perda irreparável do rio Belelhe, afetando diretamente a ele no seu nascimento, causando graves perturbações em todo o ecossistema, assim como a poluição da água potável que alimenta os Concelhos d'A Capela e a parte alta dos Concelhos de Fene e Cabanas.

As promessas de trabalho e as cifras com vistas no futuro, com uns 50 anos de vida útil na estração de mineral incentivam muita gente a pensar nele como uma opção. Mas a que custo? Tomemos o exemplo da mina de Cerro de Pasco, no Peru, que literalmente está comendo as pessoas que vivem nela. As emissões de poeiras são tão altas que não só cobrem a cidade, mas deixaram a terra estéril, onde a planta é uma tarefa assustadora mas ainda é mais difícil é a rega, pois a minha utiliza cerca de 80% da água que antes era para a população.
Com um sorriso no lábios, a mídia nos fala de todos estes benefícios, mas as desvantagens são silenciadas, anexando um pacote de medidas de mitigação "no caso de" que tudo poderia acontecer. Alguns dos prováveis acontecimentos são:
  • O dano que vai para a terra com a extração que cria grandes orifícios, que são então preenchidos com resíduos químicos e minerais remanescentes do processo de extracção.
  • As substâncias tóxicas libertadas para o ambiente são geralmente metais pesados que se alojam no sangue e totalmente prejudiciais à saúde de quem vive no contorno. Da mesma forma afeta a vida selvagem ao seu redor. Também podem ser filtradas às águas elementos químicos usados no processo de extracção (arsénio, cádmio, mercúrio, etc.)
  • Drenagem de água ácidas das minas para a água potável ou irrigação de áreas naturais com a presença de ácido sulfúrico e óxido de ferro. Podem ser filtrados através de camadas subterrâneas e terminar em terras de irrigação e colheita.
  • Presença de pó de sílica na vizinhança próxima da mina podendo causar doenças pulmonares e silicose.
Fica um gosto amargo, ler e saber o ataque iminente que pode ocorrer nas Fragas Eume. Ataque ao coração desta terra verde que está a perder lentamente a memória.
Fica na retina e na mente, a cobiça extrema, este verdadeiro plano de predação, delicadamente desenhado por mãos políticas e por obscuros negócios, capazes de vender o mais sagrado desta terra por um punhado de moedas.

Fica no interior um eco poderoso clamando, e rugindo: Por quê? Por quê permitir tanta opressão e espoliação nestas terras? Por quê tanta falta de amor e respeito ao meio ambiente que nos rodeia? Por quê permitir um mega-projeto como este, pensando só em medidas de mitigação suculentas que podem apresentar capitais estrangeiros? Qual o limite?


1Coltan é um mistura de dois minerais: columbita e tantalita. Em português essa mistura recebe o nome columbita-tantalita. Da columbita se extrai o nióbio e da tantalita, o tântalo. Este último é um metal de alta resistência térmica, eletro-magnética e corrosiva e por tais capacidades seu uso é muito difundido na composição de pequenos capacitores utilizados na maioria dos eletrônicos portáteis (celulares, notebooks, computadores automotivos de bordo). O nióbio é semelhante ao tântalo além do potencial como hipercondutor. Ambos metais foram e continuam sendo fundamentais para o avanço tecnológico da comunicação portátil.

3 comentários:

David Outeiro disse...

Parabéns pelo artigo.

Recursos...assim chamam agora as árvores,os animais,aos rios,ao ar.Recursos que se podem extraer,explorar,mercar ou vender num gram mercado.Faz tempo li qual era o perfil das pessoas que estám a cabeça de grandes empresas,que estám a cabeça do poder político ou pelo tanto económico-financeiro.O perfil dessas pessoas é o dum psicópata,uma pessoa carente de qualquer tipo de empatía...so eles poderiam ser os responsábeis da grave situaçao que o mundo está a viver.Um famoso estudo da universidade de Standford rebeleu que uma porcentagem significativa da populaçao pode ser susceptible de aceitar os dictados das autoridades por graves que sejam.Tal foi o caso do acontecido na sociedade alemá durante o dominio Nacional-socialista.Episodio que pasou a historia como um gravissimo erro cometido.Um erro impensábel nos tempos de hoje.Quando o povo acorde,olhará com surpressa um pasado no que o homem,numa "psicopatologia geralizada" tratou a terra como um recurso material que se pode explorar sem consecuencias.

Ocidente tem uma extranha vissom da realidade,divide e pelo tanto individualiza as manifestaçoes da natureça.Grave erro,posto que todo está conetado numa complexa rede.A nossa vida está relacionada com a vida das fragas,dos rios e dos mares...se uma parte do ecosistema é danada é quando aparece a entropía,o sistema desestabilizase e cae como um castelo de naipes.

Uma vissom holística é necesaria para mudar o rumbo.Nao temos de mudar o mundo,temos de viver em harmonia com ele.

http://www.youtube.com/watch?v=q3ebrCHtIIg

David Outeiro disse...

http://movimentogotadagua.com.br/

http://www.youtube.com/watch?v=WFNKkkX_0nw&feature=fvst

Hosamis disse...

É isso: a tecnologia, a famigerada tecnologia a nos destruir, tanto em níveis educacionais (subjetivos) - veja-se, por exemplo o avanço assustador das escolas tecnológicas pelo mundo - como industriais. Li uma tese de doutorado que citou a participação do Banco Mundial nesta direção, com incentivos deste aos países que levassem a sua educação por esta direção. Fiquei impressionada!

Importante artigo, parabéns!

Abraço, Hosamis.

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