terça-feira, 18 de outubro de 2011

Alguns aspectos da pré-história da Língua. 1ª Parte.





Por José Manuel Barbosa


Introdução

      O Reino de Portugal, e hoje a República Portuguesa, foi e é um Estado subversivo dentro da península Ibérica como tal Estado existente. Foi e é o único território fora do projeto nacional e político castelhano. Mas ainda isso ser assim, a narração dos fatos históricos e linguísticos estão peneirados por uma visão que em poucas cousas se ajusta à realidade passada.

      A historiografia portuguesa, assim como a linguística obviam muitas vezes que Portugal teve uma base originária no velho Gallaeciense Regnum criado pelos suevos na Gallaecia em 410-411, e foi lá onde surgira a língua que hoje é conhecida internacionalmente com o nome de “português”, de base fundamentalmente latina mas também com um sustentamento substrático Galaico-Lusitano proto-céltico que lhe dá uma identidade acrescentada.




        A maior parte das histórias da língua elaboradas tanto na Galiza como em Portugal, e ainda em outros países, começam na época das cantigas ou pouco antes, quando se tem conhecimento dos primeiros documentos escritos. Mas anteriormente, em épocas –vamos chamar-lhes- “pré-históricas” (anteriores aos primeiros documentos escritos galego-portugueses conservados na atualidade) também a língua que nos ocupa já existia de qualquer forma na vida diária dos seus utentes, forem estes galegos, portugueses ou de outros países peninsulares.

        O fato de a nossa língua ter sido usada em mais território peninsular do que atualmente, em ser usada antes das cantigas, em ter sido a língua do projeto unificador peninsular sob dirigência galaica e ainda a sua marcada personalidade atlântica e céltica (embora sendo língua de base latina) fazem da sua história e pré-história um reto à hora de reconstruirmos o seu percurso pelo tempo, bem pela importância que ela teve e ainda tem, bem porque nos dá conhecimento de que na península há um elemento tremendamente agressivo de signo castelhano que não se ajusta a realidade histórica sobre as origens, deturpa até onde o deixam e elimina se tiver oportunidade, com a única finalidade de ocupar todo o espaço ibérico numa Grande Castela com o falacioso nome de Espanha.

        Há dous momentos na história ou pré-história da nossa língua que são fulcrais para a conformação da nossa personalidade: É o primeiro aquele no que o latim entra e se mescla com a nossa língua pré-romana conformando o que depois há de ser o galego-português; e o segundo, o momento no que o Gallaeciense Regnum hegemónico na península prepara um projeto de futuro Estado usurpado posteriormente por Castela mas de irrefutável importância tanto do ponto de vista historiográfico como do ponto de vista linguístico.

        Neste trabalho vamos falar em tudo isto:

  • Momento 1º. O Galaico-Lusitano. Substrato do Galego-Português

Segundo os pré-historiadores, linguistas e arqueo-linguístas, a península Ibérica antes da chegada dos romanos estava conformada por várias línguas. Umas delas de origem indo-europeu, outras de origem mediterrânico.

        A parte norte-ocidental corresponder-se-ía com uma língua que os cientístas denominaram com o nome de Lusitano ou  como diz Ulrich Schmoll (1959), Galaico-Lusitano, por serem a Gallaecia romana e a Lusitânia originária (entendida como o berço do povo lusitano, não da província romana) a região na qual se falaria essa língua.

        As provas que falam da existência deste Galaico-Lusitano estão em vários achados litográficos de época imperial romana. Ajustamos a época e deduzimos isto último por estarem escritos com a ortografia latina. São estes achados os de Lamas de Moledo (Évora), Cabeço das Fraguas (A Guarda), Villalva de Villastar e Arroyo de la Luz (Cáceres) os mais conhecidos.

        O espaço que poderiam ocupar haveria que reconstruí-lo a partir, não só pela localização destas inscrições conhecidas mas também pela onomástica, a toponímia e a teonímia.

        No que diz respeito são de grande ajuda os mapas elaborados pela professora Fdez-Albalat (1990: 422-427) e as opiniões de Rosa Brañas (1995: 211-253) e Higino Martins (2008: 151, 529, 543).

Com isto, também nós quisemos elaborar um mapa desde a nossa modéstia. Eis:

         

A língua galaico-lusitana poderia ser identificada como uma língua celta ou proto-celta como nos comenta Armada Pita (1999: 260-263) mas ainda a ideia de ser a partir do conhecimento das línguas celtas donde pode ser possível a tradução dos textos conservados e/ou a compreensão dos mesmos reafirma o parentesco entre esta língua da que estamos a falar com o celta antigo.

        É por isso pelo que  nos diz a professora Fdez-Albalat (1996: 39):




        “Segundo a minha opinião, estamos perante uma rama celta (possivelmente anterior à divisão entre goidels e britões, ou bem uma terceira rama) de um tipo arcaico”

        A identificação como língua celta é discutida por alguns autores argumentando que algumas palavras possuem um /p/ inicial inexistente neste grupo de línguas, tanto nas actuais como nas antigas. Mas é o professor valenciano Xaverio Ballester (1998: 65-82) quem nos diz:




        “O problema na realidade não é a presença linguisticamente incorrecta do /p/, mas a posição geograficamente incorrecta do lusitano. Se essa mesma documentação que possuímos para o lusitano, tivesse aparecido, por exemplo, em alguma zona próxima aos Alpes, previsivelmente a linguística indo-europeia tradicional consideraria tal documentação uma testemunha da primeira rama separada da árvore céltica, dessa fase ainda com /p/ que, por ser língua indo-europeia reconstruímos como céltica”

        Atendendo ao trabalho de Robert Omnès (1998: 247-268) professor da Universidade de Brest, o galego-português tem uns importantes elementos substráticos celtas que determinariam a nossa língua como um “patois” celto-latino. Alguns desses elementos seriam os seguintes:




1-       Léxico (só algumas palavras de origem céltico):  Álamo, Amieiro, Arámio, Armela, Arnela, Banastra, Banço, Baraça, Beiço, Berberecho, Berço, Bico, Bilha, Biqueira, Beco, Boedo, Borrão (Borreira), Boto, Bosta, Braga, Branda, Breja, Briga, Bringa, Brio, Brião, Brigar, Broa, Brusca, Bugalho, Bulhato, Burato e Buraco, Cabana, Calhau, Calouro, Camba, Cambo, Cambelo, Cambela, Cambadela, Comboa, Gamboa, Cambote, Comba, Caminho, Camisa, Canga, Cantiga, Carpinteiro, Carraboujo, Carro, Cagigo, Centola, Cerco e Cerquinho, Cerveja, Colmo, Colmeia, Cróio ou Coio, Cheda, Duna, Embaixador, Embelga, Estancar, Fatão, Gancho, Ganço, Gato, Gorar, Granha, Grenha, Lama, Lança, Lasca, Lata, Lapa, Lapão/Lapote/Lapada, Lastra/Alastrar, Lavego/Aviecas/Aveacas ou Aviacas, Lagem, Lage, Laja, Lagea, Légua, Lia, Lousa, Maninha, Melão, Pala, Peça, Pena, Penedo, Penelo/a, Penouco, Pucareiro, Penouto e os colectivos, Penedal, Penasquedo, Penedia, Pico, Rodavalho, Saia, Seara, Soco, Soca, Tona, Touca, Trade, Tranca, Vasalo, Vidoeiro, Virar, Viradeira, Virouteiro, Pau-Viradoiro, Viração, Virolho, Vranha...


2-       Semântica:
a) Preferência polo verbo Ser em vez de Ter em frases possessivas do tipo:




b) Uso da forma “Levantar” (“Sevel” em bretão) com o sentido de “construir”. Por exemplo em francês seria "construir une maison" ou no espanhol "construir una casa", mas em galego-português e em bretão...



3-       Fonética e Fonologia
a) O /k/ implosivo devém num yod ante /t/ explosivo como em irlandês
b) Em Gal-Port os ditongos descendentes são os mais numerosos, o que se explica pelo modelo silábico céltico.
c) Evolução dos grupos /KL/, /PL/, /FL/ iniciais: 



d) A metafonia que Rafael Lapesa (1991:44) identifica como celta:

                            

4-       Morfo-Sintaxe 
a) A repartição dos géneros: Os nomes das árvores são femininas em Gal-Port e em bretão. 
b) O cal, o labor, o nariz, o sal, o mel, o leite, o sangue, o cume...como em bretão (por exemplo em outras línguas latinas como o espanhol são palavras femininas).
c)  A mesma forma pode ser utilizada pelo adjectivo qualificativo e o advérbio tanto em bretão como em Gal-Port

d) O durativo no infinitivo. O Galego-Português é a única língua romance que partilha esta característica com as línguas célticas:




e) Perguntas e respostas: Em Gal-Port as respostas não são “sim” ou “não” como, por exemplo em Galês:

                  
Alguns textos Galaico-Lusitanos

-Texto de Lamas de Moledo

”Rufinus et Tiro scripserunt: Veaminicori doenti angom lamatigom crougeai magareaigoi petranioi radom porgom ioveat Caeliobrigo”.

Este texto datado já em época romana (no século I d.C.) com introdução em latim viria significar o seguinte segundo a tradução de André Pena Granha, arqueólogo galego:

“Rufino e Tiro escreveram: Os Veaminicori (conjunto de jovens solteiros em idade militar) dão um anho lamático (de Lamas de Moledo, entende-se) para o altar de Petranioi (o oficiante), um grosso porco para o Júpiter do Castro de Caelio”




Segundo Higino Martins (2008:87) Veamini Cori ou Wegamenoi korioi significaria “os que viajam em carros”, quer dizer, “os chefes”, ou “senhores”.

-Texto da Pedra de Cabeço das Fráguas

”...Oilam trebopala indi porcom laebo commaiam iccona loiminna oilam usseam trebarune indi taurom ifadem(...) reve Tre(barune)”

Texto também de finais do Império com latinismos como “Porcom” e redigido na pedra para um ritual de tipo “suovetaurília” com o fim de proteger a Treba (território político sob a influência do povo que oferece o ritual). A sua tradução segundo Pena Granha:


“...uma ovelha para trebopala (protectora da Treba) e um porco para Laebo (divindade feminina), uma égua para a luminosa Iccona (deusa dos cavalos), uma ovelha dum ano para trebarune (a deusa protectora do país) e um touro dum ano para Reva, senhora da Treba.”






http://www.terraetempo.com/artigo.php?artigo=2268&seccion=5&typNe=12%3A05%3A31
Bibliografia:
Armada Pita, X-L. (1999). Unha revisión historiográfica do celtismo galego. In “Os Celtas da Europa Atlántica. Actas do I Congresso galego sobre a cultura celta”. Ferrol. Agosto. 1997. Ed. Concello de Ferrol.
Ballester, Xaverio. (1998-99): “Sobre el origen de las lenguas indoeuropeas prerromanas de la Península Ibérica” In Arse, 32/3. Conferencia pronunciada o 23/03/99 durante as XIV Jornadas de la Sociedad Española de Estudios clásicos (Valencia 22-27-III-1999) com o nome de “La Filología clásica prerromana en España: pasado, presente, futuro”.
Brañas, Rosa. (1995). Indíxenas e Romanos na Galicia céltica. Ed. Libreria Follas Novas.
Carvalho Calero, R. (1983). Da Fala e da Escrita. Ourense. Galiza Editora. Ourense
Carvalho Calero, R. (1974). Gramática elemental del gallego común”. Galaxia. Vigo.
Coseriu, E. (1989): “El gallego en la história y en la actualidad” In “Actas do II Congresso Internacional da Língua Galego-Portuguesa na Galiza”. AGAL. Crunha. Página 797.
Garcia Fernandez-Albalat, Blanca. (1990). Guerra y Religión en la Gallaecia y la Lusitania antiguas. Sada-Crunha. Edicións do Castro.
Garcia Fernandez-Albalat, Blanca. (1996): ”La religión de los castreños” In SEMATA Ciencias Sociais e Humanidades 7-8. Las religiones en la Historia de Galicia. Ed. Garcia Quintela, Marco V. Universidade de Compostela
Lapesa, Rafael. (1991): “Historia de la lengua española”. Madrid. Ed. Gredos. Biblioteca Románica Hispánica. 9ª Ed. Corrigida e acrescentada.
Lopez Carreira, Anselmo. (2005): “O reino medieval de Galicia”. A Nosa Terra. Vigo
Mundy, John J. (1991):Europe in the High Middle Ages”. Longman. London and New York.
Omnès, Robert. (1999). “Le substract celtique en galicien et en castillan” In “Les Celtes et la peninsule Iberique”. Triade nº5. Université de la Bretagne Occidentale-Brest. Pp. 247-268.
Pena Graña, A. (1985): “O reino de Galiza na Idade Media”. Revista Terra e Tempo 2ª época, 1,
Rico, Sebastián (1973): “Presencia da língua galega”. Ediciós do Castro. A Crunha, 1973, pp 8-9
Rodrigues Lapa, M. (1981) : ”Lições de Literatura Portuguesa. Época medieval”. 10ª Edição. Coimbra Editora Limitada.
Saraiva, António J: (1995). Iniciação na literatura portuguesa. Gradiva. Lisboa. Pag.9
Schmoll, Ulrich (1959): “Die Sprachen der Vorkeltischen Indogermanen Hispaniens und das Keltiberische”. Wiesbaden. Otto Harrassowitz.
Sanchez Albornoz, C. (1956); España, un enigma histórico. Pág 420-423 do Vol 1º da 2ª Edição.
Valladares, M (1970): Elementos de Gramática gallega. Galáxia. Fundación Penzol. Vigo.
VV.AA (1996): Las religiones en la história de Galicia in SEMATA Ciencias Sociais e Humanidades 7-8 Ed. Garcia Quintela, Marco V. Universidade de Compostela
Wright, R. (1991): “La enseñanza de la ortografía en la Galicia de hace mil anos”. Verba, 18.

3 comentários:

Casdeiro disse...

Estupendo escolma de datos, José Manuel. Parabéns!

Eu teño que dicir que hai anos tentei crear unha páxina na Galipedia acerca da lingua céltica galaica e sufrín a censura anticeltista dos caciques que controlan ese web, que negaron a súa existencia e borraron o contido.

Menos mal que outras zonas da Rede aínda están abertas á verdade e á pescuda.

Casdeiro disse...

Gustaríame deixar algunhas das miñas modestas achegas a esta cuestión:
http://abibliotecadefillos.blogaliza.org/2008/07/17/lingua-celta-galaica/
http://abibliotecadefillos.blogaliza.org/2008/05/10/palabras-de-orixe-celta-no-galego/

Tamén tiña un glosario sacado a partir do traballo de Caridad Arias, pero a ligazón non furrula :-( A ver se o dou recuperado.

José Manuel Barbosa disse...

Obrigado. Evidentemente a rede vai sendo livre por enquanto. As verdades nao se podem ocultar facilmente.

Abraco

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